segunda-feira, 2 de maio de 2011

A bravura indômita de uma revolucionária nordestina

Texto retirado de:
Revista Nordeste Vinte Um
http://www.nordestevinteum.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=118:personagem&catid=14:destaque-06&Itemid=16



Do Pernambuco para o Ceará, Bárbara de Alencar, considerada a primeira presa política do Brasil, exerceu um papel preponderante em nossa história, ao participar de modo decisivo, com espírito guerreiro e insuperável coragem cívica, dos episódios que preconizavam maior liberdade para o povo brasileiro, no limiar do século XIX. O centro dos movimentos revolucionários de que participou estabeleceu-se na Região do Cariri cearense, onde aquela mulher extraordinária pontificou juntamente com seus filhos, também revolucionários. Dona Bárbara, como era chamada respeitosamente pelos seus contemporâneos, inscreveu com ousadia ímpar o nome dos Alencares – e o seu próprio – no panteão da história brasileira.



Por Barros Alves - Editor de Cultura e Arte - barrosalves@nordestevinteum.com.br

Bárbara de Alencar nasceu em solo pernambucano no dia 11 de fevereiro de 1760. Para uns, ela veio ao mundo no município de Exu, limítrofe com o Cariri cearense, separado deste apenas pela Chapada do Araripe; para outros, a valente mulher nasceu em Cabrobó. O certo é que a jovem Bárbara enamorou-se de um comerciante de tecidos, português de nascimento, que exercia seus negócios na região do Vale Caririense. No ano de 1782, Bárbara casou-se com o capitão José Gonçalves dos Santos e se mudou definitivamente para a Vila do Crato. Ali, se tornou figura respeitada e foi liderar os principais movimentos revolucionários ocorridos no Nordeste na primeira metade do século XIX.

Do casamento com o capitão José Gonçalves dos Santos, nasceram quatro filhos: João Gonçalves de Alencar, Carlos José dos Santos, que se fez padre; Joaquina Maria de São José, Tristão Gonçalves Pereira de Alencar, tornado famoso pela ação revolucionária; e José Martiniano de Alencar, também padre, espírito rebelde e que se tornou político de grande influência tanto no Ceará, que chegou a governar, quanto em nível nacional, como senador do Império. José Martiniano de Alencar era o pai do romancista homônimo, criador do romance nativista brasileiro, cuja inspiração se expressou através de mitos fundadores da nacionalidade, sendo os romances “Iracema” e “O Guarani” obras-primas da literatura brasileira.

Conforme descrição feita pelo escritor Roberto Gaspar, que registrou em livro de amena leitura aspectos da vida tempestuosa de Bárbara de Alencar, ela tinha um aspecto varonil, cor branca e “era considerada alta, tinha as passadas largas e os braços moviam-se com graciosa desenvoltura, o rosto expressivo era bem delineado, os traços eram simpáticos e harmônicos, emoldurando uma boca ampla de lábios firmes”. O autor citado apresenta um perfil moral e espiritual da heroína do Crato: “Enérgica, de coração bondoso, impunha respeito e admiração aos que o conheciam. Grande devota de Santa Bárbara, ela tinha a imagem da santa em seu oratório e, nos momentos de aflição, debulhava seu rosário de contas azuis”. E adiante: “Bárbara era muito religiosa e instalou altares com imagens de santos na fazenda, onde promovia orações coletivas, atraindo os religiosos das missões e os padres, que encontravam abrigo na casa grande da fazenda”. Segundo o historiador João Brígido, Bárbara era “mui inteligente, lida e corrida era a primeira senhora daquela região”.

Dessa solicitude para com os religiosos, nasceu grande amizade entre Bárbara e sacerdotes da região, entre os quais o padre Miguel Carlos da Silva, que se tornou amigo e orientador espiritual. De igual modo, frei Francisco de Santana, da Vila de Barbalha, era assíduo comensal da fazenda Pau Seco. Naquele ambiente de reflexão e boa conversa, surgiu o Centro Republicano de Democracia e Liberdade, ensejando em que os conselhos humanistas do padre Miguel Carlos transformassem Bárbara em uma liberal consciente de sua missão naquele mundo tão carente de atitudes políticas que contribuísse para melhorar a vida do povo.

Militância política e revolução


inda jovem, portanto, iniciou a militância política, demonstrando grande capacidade de articulação com segmentos basilares da sociedade da época, tanto em nível econômico quanto em nível social, especialmente nos vínculos que criou com a Igreja Católica, onde vários jovens seminaristas e padres, em razão do conhecimento da história, participavam e estimulavam a participação nos movimentos libertários. Bárbara tratou de aproveitar a vocação religiosa de dois dos filhos e enviou-os ao seminário, onde certamente teriam uma educação esmerada. Ademais, o sacerdócio significava status social e reconhecimento da população sempre mística e crédula.

Chegou então o ano de 1817, e explodiu a revolução republicana em Pernambuco, que preconizava não apenas a independência, mas também queria a proclamação da República. O movimento logo recebeu o apoio da família de Alencar, com Bárbara a liderar o processo rebelde no Cariri. O entusiasmo era tão grande, que sob a liderança daquela senhora que ousava arrostar o poder das Cortes portuguesas, proclamou-se a República no Crato, em uma extensão da revolução pernambucana.

Reação mete os revoltosos no calabouço


Por ordem da Corte, o processo de reação das forças portuguesas com sede na Colônia não se fez esperar e arremeteu contra os revoltosos sem dó nem comiseração. Muitos foram presos a partir da Bahia, de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará, onde o movimento estava mais atuante. Roberto Gaspar enumera os líderes da revolução que foram presos: José Martiniano, Tristão Gonçalves e o padre Carlos José dos Santos, filhos de Bárbara; Inácio Tavares Benevides, frei Francisco de Sant’Ana Pessoa, Gouveia Ferraz e o padre Miguel Carlos da Silva Saldanha”. E aduz o biógrafo de Bárbara de Alencar: “Outros participantes do movimento se acovardaram e desertaram e, procurando isentar-se de culpa, juram publicamente lealdade ao rei, como aconteceu com Francisco Carlos e Bartolomeu de Quental”. 

Os prisioneiros foram manietados, acorrentados e enviados para Fortaleza. Durante a longa e cansativa marcha, sob o comando de Joaquim Pinto Madeira, “apenas Bárbara de Alencar não tinha argolas amarradas no pescoço”. Estavam a cavalo e no Icó, o comando da tropa passou para o capitão de milícias Manuel da Cunha Freire.

Depois de quase um mês de viagem do Crato para Fortaleza, sob sol e chuva, enfrentando as piores intempéries, finalmente chegaram à capital e recebem a ordem do governador Sampaio de que deveriam ficar presos sem nenhuma regalia. Bárbara foi recolhida ao calabouço da velha Fortaleza à beira-mar, sem direito a contato com quem quer que fosse, a não ser com a lavadeira, de nome Brasiliana, e apenas uma vez por semana. Nessas duras condições, passou mais de três anos. Foi libertada no dia 17 de novembro de 1820 e, no ano seguinte, o Tribunal da Relação de Salvador, Bahia, anulou os processos da devassa. Com a proclamação da independência do Brasil em 1822, a heroína do Crato retornou, vitoriosa, da Bahia para sua querida vila do Crato, onde a esperavam o filho, João Gonçalves, e o povo em festa.

A Revolução do Equador


Ainda bem não sentava a poeira da Revolução de 1817, e os Alencares de Bárbara já sentiam pruridos de uma nova luta. Tristão, o mais rebelde, não acreditava em que o Brasil ganharia a liberdade. De fato. Sob o governo de dom Pedro I. Para ele, o imperador era “louça do mesmo barro” do pai, dom João VI. E aduzia nas conversas familiares: “É preciso não dormir sobre a glória alcançada.” Não era um prenúncio. Era uma profecia
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Eis que novamente, em 1824, algumas províncias do Nordeste (naquele tempo dito Norte), sob a liderança de Pernambuco se sublevaram contra o governo Imperial recém-instalado. Desta feita, sob a influência dos Federalistas norte-americanos. No Ceará, os três filhos de Bárbara não titubearam e aderiram à conjuração que veio a chamar-se Confederação do Equador. Queriam implantar um regime republicano juntando as províncias nordestinas em uma confederação semelhante aos Estados Unidos da América.

As grandes figuras políticas não guardavam rancor de injustiças sofridas nos embates da vida, ainda que os mais duros. Foi o que ocorreu com os Alencares, agora, em 1824, aliando-se ao capitão Pereira Filgueiras, o adversário figadal de 1817. Roberto Gaspar anota: “Bárbara de Alencar e seus filhos, que tanto já haviam lutado e sofrido pela independência, organizaram um regimento caririense, cujo comando foi entregue ao seu ex-adversário, o capitão-mor João Pereira Filgueiras, tendo Tristão Gonçalves no comando do Estado-maior das tropas expedicionárias”. Eles tomaram o governo do Ceará e foram até ao Maranhão dar combate a major Fidié, um português que resistia em nome das Cortes portuguesas.

Dores, velhice e morte


Mas os Alencares, principalmente Tristão e o padre. Martiniano, estavam insatisfeitos com os rumos do novo governo e da Constituinte de 1823.  Achavam o imperador “prepotente, promíscuo e libertino”. Resolveram ir além. Juntamente com outros republicanos, tais como Carapinima e Azevedo Bolão, organizaram um governo provisório no Icó e, em janeiro de 1823, entraram em Fortaleza, onde destituíram o governo de Costa Barros e proclamaram a República, sob a presidência de Tristão Gonçalves.  Seguiram o exemplo as Câmaras de Quixeramobim, Aquiraz, Ipu, Sobral, Crato e Aracati. A revolução, no entanto, começou a decair nas províncias do Piauí, Maranhão, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte.  A debandada era geral em face de muitas traições.
No Ceará, reinóis como Pinto Madeira encabeçaram a reação, mas Tristão Gonçalves resolveu enfrentá-los, juntamente com os irmãos. Dias depois, foram derrotados e mortos em combate. “Com essa tragédia começaram os dias de muitas dores para a heroína revolucionária, que se cobriu de luto contínuo com a morte dos seus entes queridos”, escreve Gaspar.

Depois destas tempestades e de ver filhos e parentes mortos nas lutas revolucionárias, outros terem sido presos, mas libertados posteriormente, como é caso de José Martiniano, Bárbara de Alencar, depois de rebelião levantada no Cariri por Pinto Madeira, fugiu para Exu, no Pernambuco, e posteriormente, recolheu-se à fazenda Alecrim no Piauí. Septuagenária,  queria, no entanto, terminar os dias em sua fazenda Pau Seco. Seu filho, João Gonçalves, foi buscá-la. Adoentada, ela queria que o outro filho, José Martiniano, agora poderoso governador da província, perdoasse o principal desafeto da família, Pinto Madeira, que havia sido preso e condenado à morte. Não viu realizar-se seu piedoso intento.

Bárbara de Alencar manifestou ao filho que a assistia o desejo de que, ao morrer, lhe providenciasse um enterro simples “de pobre mesmo, em rede, num túmulo sem lousa, como daqueles que foram nossos escravos...” A heroína fechou os olhos ao mundo no dia 28 de agosto de 1833. Deixou o chão nordestino, mas inscreveu indelevelmente seu nome na história do Brasil, especialmente do Ceará, mercê de sua bravura indômita e do seu espírito libertário.

Rachel de Queiroz e Paulo Coelho entre os descendentes

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O professor Virgílio Arraes lista vários nomes de personalidades importantes na vida sócio-política contemporânea brasileira, que são descendentes da heroína republicana Bárbara de Alencar. Ele começa registrando que Castelo Branco descendia de uma irmã de dona Bárbara, Inácia. As duas adotavam postura política similar, eram sinceras republicanas, influenciadas que foram pelos ideais da Revolução Francesa, ocorrida em 1789. A rebelião de 1817 tinha esse viés ideológico. Já em 1824, na chamada Confederação do Equador, a influência teria sido dos Estados Unidos. que fizera a sua revolução libertadora em 1776, com fundamento no federalismo republicano e abolição da escravidão.
O neto José de Alencar, Filho do Senador Martiniano de Alencar.


De Inácia, descendem, dentre outros, Miguel Arraes de Alencar, que foi três vezes governador de Pernambuco e incontestável liderança política do Nordeste; Marcelo Nunes de Alencar, que foi prefeito do Rio de Janeiro; Otto de Alencar, pioneiro da pesquisa matemática no Brasil, falecido no início do século passado; Chico de Alencar, historiador e deputado federal pelo Rio de Janeiro, onde detém grande liderança política; José de Alencar Furtado, cearense de Araripe, fez carreira política no Paraná tendo se destacado como uma das vozes de oposição ao tempo do governo militar pós-1964; Alencar Guimarães foi senador pelo Paraná durante vários mandatos, chegando a assumir interinamente o governo daquele Estado; O General Humberto de Alencar Castelo Branco foi presidente da República. Também a famosa romancista Rachel (de Alencar) Queiroz, bem como a escritora e líder feminista Heloneida Studart descendem de Bárbara de Alencar. O escritor Paulo Coelho, autor de best sellers e o mais internacional dos ficcionistas brasileiros, tem Bárbara como ascendente.   

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